Wednesday, August 13, 2008

Chiu

Não sei há quantos dias vivia como um Samsa sem alma quando a vi deitada na cama desperdiçando o sono com os sonhos de dormir.
Entrei no quarto demasiado silencioso e despertei-a com a minha insolência.
Acordou de sorriso rasgado como os olhos, vestiu-se e veio comigo para onde a levasse: irìamos passear com a chuva numa praia qualquer.
A Lua estava num quarto crescente que amarelava a noite escura pelo vendaval das praias solteiras: estavam noivadas de mar e de noite. Por entre onde havia nuvens paradas, o cèu negro estava sujo de branco transparente. Via o fumo de enxofre, fruto do batimento cardìaco da terra, que se exibia dançando por entre as clareiras de luz em passadas deliquentes mas sem pinga de fùrıa: bailava ao som da maresia com o cheiro a verde do musgo sentado nas pedras.
Assim que chegàmos, entràmos na fervente àgua impaciente onde agarrei a miuda de olhos rasgados como minha para nos sussurrarmos silêncios recônditos abafados pelo som do vento que não ouvìamos. Tentávamos não peturbar o intímo fundo negro do céu de Este que contornava os relâmpagos mudos.
A minha mão sossegava a sua cabeça encostando-a ao me ombro enquanto ela fechava os olhos condescendentes para eu ficar assim, a percorrer com o olhar o seu brilho, definindo a inspiração que todo aquele mar ondulava, azul pelo céu que não tem.
Nas planícies de nuvens haviam agora rios de céu plantados abrindo-se ao Sol que ressuscitava.
Permiti-lhe abrir os olhos: queria partilhá-lo com ela: só faria sentido assim.
Segurámos as nossas mãos no toque mais especial da noite e olhámo-nos sabendo o que falhámos em acontecer, deixando a noite entregue à sua própria perfeição. Continuámos segurados e a miuda de olhos rasgados e bochechas rosadas de nuvens de nascer do Sol prometeu ficar mais uma noite.
Deitámo-nos, esperei que adormecesse e adormeci também dormindo sonetos de angústia em sonhos de memórias acesas por todo o fogo de gostar sem o fazer.
As palavras debatiam-se em mim pela manhã, mas a culpa foi minha: tenho um coração desmazelado. Queria apenas dizer-lhe os versos que ela seria se eu os escrevesse.
Chiu, não fales – disse-me quando ja estava sentado na cama dela. Não queria significados que fizessem oceanos daquele lago: não me queria fingido.
O silêncio era o pacto que nos reservava cada momento respirado especial mas dificilmente me continha. De vez em quando tenho de sossegar a altura dos meus sonhos em pensamentos solitários pelo que tive que sair dali abrindo a porta pesada rumando á rua descalça onde no dia anterior tinha sido feliz.
Foi a última vez que a vi e é só isso o que a racionalidade me deixa dizer.