Tuesday, October 14, 2008

Son Bahar

Num banco de jardim qualquer de um qualquer lugar ela estava sentada. A aguardar, pensativa, que as páginas do livro passassem finalmente para ter algo novo para ler e saber, pensar e sentir.
Enquanto aguardava olhava em redor, as folhas calmas e diletantes esvoaçavam como se não quisessem saber o lugar onde iam pousar. O céu imponente, rasgado em cinzento, fazia ver ao Sol a sua autoridade. No chão, apenas se viam destroços daquilo que havia sido, em tempos, uma folha de plátano cuja gravidade havia seduzido para que à terra voltasse o que a ela pertencia. O vento, esse preguiçoso, passeava melancólico sobre ela para num jubilo de vontade se recriar numa rajada que se apontou ao estático livro.
Os seus olhos, expectantes, abriram-se num misto de entusiasmo e expectativa: a página ia ser virada, já podia ler, saber, pensar ou sentir.
A cada página que esperava ser virada procurava a resposta à permanente pergunta que invariavelmente tomava conta de si.
Tentou ser rápida, pois o vento agora alegre permitir-se-ia a eclipsar algumas respostas.
«Quem sou eu?» - perguntava-se constantemente.
O vento acalmou finalmente, sendo condescendente, como que permitindo uns segundos de reflexão.
Ela era “bonita”, pelo menos todos aqueles que se atravessavam no seu caminho assim justificavam a sua predilecção pelo sensual apelo que a carne exerce em quem não vê mais do que isso. E, embora soubesse que a resposta não fosse exactamente essa, ela afundou-se nela. Era simples de aceitar e ainda mais simples de acreditar.
Revoltado, o vento insurgiu-se com violência, levando com as páginas, agora bruscamente trespassadas pelo torque, as respostas que na verdade não queriam ser descobertas.
L. Era ela.
Passeou-se pelo calmo sítio, sempre em frente, mas sem tentar chegar a algum lugar. Escurecia depressa e o frio invadia sereno. L continuou emberenhada em si. Talvez a resposta afinal não fosse suficiente.
O vento anuiu aos pensamentos pois desviava-se, controlado, para levar as folhas, que sabiam antecipadamente que o lugar delas não seria aquilo que, enganadoramente, ele lhes proporcionava: voar.
L vivia para si. Procurava as pessoas repetidamente, mas ela sempre era tão só. O seu sorriso espelhava na cara, bonita, o movimento de vazio que nela residia.
Mas ela era tão algo que a certa altura tornou-se uma nessessidade para mim, o Capitão Romance.
Em mim, ela jurou que via a luz do caminho que teria que percorrer e, sem hesitações, tentou, apenas porque aquilo que eu parecia era um reflexo óbvio daquilo que L desejava, iluminar-se com o fogo. O destino congeminava, o caminho não era fácil.
Então, o coração dela intermitente palpitava inseguro, com a certeza de quem não sabe bem até aonde quer ir. As respostas que lhe chegavam apenas aumentam a percepção de tudo aquilo que ainda estava por perceber, como se a luz que lhe chegava em forma de uma reminiscência de amor, mostrasse que o mundo era muito maior que aquilo que ela vira; como se o livro que o vento tentava mostrar tivesse mais páginas, de tantas formas diferentes que nunca seria possível absorver tudo delas.
Ela perdeu-se. Ela cansou-se. Talvez o caminho não fosse realmente o dela.
Que lição esta, tão importante a quem cuida a verdade. Uma mera reticência escrita em forma de facto: toda a vida procuramos as respostas em relação a quem somos realmente, mas a verdade, muito disso parte da dificuldade em aceitarmo-nos como nós somos, muitas vezes por isso não ir de encontro àquilo que gostariamos de ser.
Então ora, como herege, desistia daquela luz, que ao mesmo tempo era uma sombra, que arrebatava e mostrava que aquele ego, tão portentosamente construído, era apenas um pedaço do ópio de sensações que sempre havia prevalecido sobre ela. Ora novamente decidia que aquele sim, era o caminho que desejava percorrer, o da luz.
Aquele sentimento descartável revolucionou aquela chama, da mesma forma que a benzina subjuga o fogo ao seu desejo. Indignada, a flama consumia o volátil livro sem misericórdia. Para o lamento de L sobrava porém, a certeza tristemente patética de consciência em relação a tudo o que se passava. Ignorando o fumo e o fogo que apagavam as respostas que ela tanto queria ouvir e que agora, como se o desejo tivesse sido apenas um capricho, desprezava pretensiosamente.
Livre, voltou a sentar-se no banco, à espera que a resposta, desta feita, fosse de encontro àquilo que ela sonhava em ser.
Ignorou a luz e fingiu que foi uma ilusão só para não ter que aceitar a sua falha. Ficou ali sentada, possivelmente à espera que um novo fogo tomasse conta do sonho. Continuou a pensar, a ler e talvez a sentir mas nela, já só se via a cara bonita.
L, de repente tão bela, de repente adormecida.



Foi a primeira vez que o Capitão Talvez Nunca me salvou....