Tuesday, December 16, 2008

Deixa Morrer

Lisboa tem lábios de rio Tejo, um sorriso de colinas e duas faces complexas e pouco compridas. Deprime-se pela parte nova, alegra-se na velha quando já é noite. É pequena e não sabe sorrir sem ser de cinzento. Queixa-se enlameada nos processos caminhantes, como os carros que não andam, as pontes que servem de beijo feio ao rio que se suja de tristeza. Este ondula-se pelas ondas calmas que dançam a brisa, que não sabe assobiar, e esmagam-se contra as rochas de forma controversa e constrangida, zangadas pelo preto e branco que não é cinzento, talvez pelo verde que lhes pousa de cor. Vejo no balançar hiperactivo e monótono que cansam-se as saudades de serem grandes pois frequentemente parecem bater sem força fraquinha e ondulam sem vontade, displicentes e amuadas. Esta Lisboa tem, no mar, a alma.
À noite há outras ruas sobre as mesmas e as pessoas descem os bairros velhos e pintados de futilidade de letras sem sentido, descem também a depressão cega carregando o fardo do maior status quo que a Cofidis permitir. Deambulam os bares inúmeros sustentando o fingimento de toda a felicidade que não sabem viver. Muitos dos que lá pousam como pombas vêm do outro lado, o menos poético da capital, emprestando alguma audácia selvagem, como os seus espíritos.
Aquele povo deslavado e de cores cansadas procurando amores de emergência, amores que correm calados, morrem em silêncio e murmuram mudos nos suores dessas noites sem histórias. Andam mal dormidos e cheios de pensamentos de insónias: aqueles de quem dorme acordado e não dorme mais sem ser assim. Definitivamente oníricos na sua realidade.
Mas desde quanto tornou-se o amo-te uma pergunta? Desde quando me seguro no andar bêbado e tento endireitar-me e trocá-las, as pernas trocadas que se confundem com as linhas do caminho e se precipitam com a chuva ao destino.
Quando a emergência do ethanol não me poupou a falta de euros sentei-me alguns minutos no muro ainda seco para ganhar um pouco de ar de nicotina e saborear o cheiro da chuva e enxofre. Queria ver pedaços de lua no mar polvilhado de estrelas pequenas virando-se nos meus olhos enquanto observava esta cidade morrente.
Neste mezzanine de emoções despertaram-se-me as facas da angústia, o sentido do destino e a dor sem nome próprio para pensar perder palavras, perder-me nos pensamentos pedidos, perdões possíveis e frases que não quero saber.
Começou a chover dela também. Chovia-me nos lábios sem os seus, chovia-me nas mãos sem as suas que as agarraram, chovem os olhos na tempestade de memórias que se preferiam mortas, chovia na rua vazia de nós. Chovia rápido, mais depressa.
Porém ela estava ali ao meu lado o tempo todo quando desisti do mar para considerar a desenvoltura dos lábios dela e os beijos que davam, o balbuciar do silêncio da ventania que abanava os cabelos dela no sentido norte, a magia da íris redundantemente bela e, o sorriso sem palavras ou sons, triste olhar para o chão, o desapontado. Afinal só o pensamento tinha ficado no banco.
Podia ouvir o som de mim gritando, lutando explicar o que de vermelho não tenho. Era altura de dizer. Ela tinha de ficar para trás e eu não me importava: já tinha vindo com a solidão e estava preparado.
É engraçado, eu cá não morro de saudades, vivo delas até adormecer de memórias e são estas emoções em diferido que me poupam ao presente: sinto ontem o que vivo para hoje e não fujo. Nunca percebi porque estava ali a chorar, ela já devia saber e até aí ainda não tinha falado. Posso até estar errado, mas está para nascer a filha da puta de saudade que me vai fazer mudar.