Wednesday, December 19, 2007

A Parábola de Chuang-Tzu

Quando abusava da insónia e do álcool, engolido em drogas esperava-me o resto do mundo de conquistas. Eram noites apoteóticas de beijos anónimos e sem sentido, respirações suspensas, vidros de emoção, paixões descartáveis, janelas de sentidos surdos: amores de emergência. Conheci caras de olhares soberbos e violadores da promíscua noite; deambulantes na serenidade da lua vermelha nos sussuros de sabores sonâmbulos. Conheciam-se só pelos nomes e apresentavam-se como tal. Tantos diferentes, mas podiam bem ser só um. Encontravam-se nos lugares marcados pela carne e era ali, quando a noite abraçava o céu, que sentiam o corpo sacudir-se ansioso, apreensivo de desejo. Aí, deambulavam pelas ruas da luxúria à procura do passeio do prazer. Naquelas vielas indistintas davam-se a todos os que conseguissem por segundos apagar o fogo que jazia dentro de delas, para depois, num misto de alívio e frustração se dirigirem aos seus aposentos e chorar com toda a avidez que a amargura lhes permitisse. Não se via tal pesar desde o dia em que a Tristeza e o Pranto resolveram juntar, numa cerimónia presidida pela Dor, os seus destinos para viverem para sempre na melancolia das lágrimas. Crê-se foi nessa altura que, em homenagem àquela união, o Desgosto resolveu pintar o céu de cinzento enquanto a Mágoa ensinava as nuvens a chorar. Tudo isto perante um desconsolado Sol que, pelo que se sabe, se enamorara pela Angústia, logo depois da Lua se ter rendido ao calor da Noite
Esvoaçavam liberdade naqueles corpos até se amestrarem pelo álcool para se apresentarem como gostariam que fossem.
Mostravam-se todas como corpos de ilusão desencantada.
- Não sei se é dos teus olhos mas esse teu coraçãozinho é fácil demais, sabe a pouco.
Mas diziam que não:
-Não é bem assim.
Invariavelmente perguntava displicente:
Quantas vezes foi perfeito e voaste? Quantas vezes foi especial e não doía nem nas quedas nem nada. Quantas foram diferentes, aquelas tuas histórias da treta sempre iguais no mesmo e diferentes em não sei quê e na cor dos olhos?
Quantas vezes disseste “incrível a sensação”;”excepcional o sentimento”; ”indescritível a emoção”? Quantas?
Quantas vezes era perfeito e depois tudo e depois nada e depois tudo outra vez até caíres, e não podias, e chorares para ser perfeito novamente?

Não foi um gesto bonito mas a culpa não me assiste: nasci de coração ao contrário e de sangue agridoce.
- Não estás sozinha, és apenas como as outras. As gajas lindas, como tu. Mas não te vás, estou aqui para ti: vamos fazer tempestades.
Quis mudar o mundo delas, uma de cada vez: um amar de areia único por uma só noite. Cada beijo seria ímpar e proporcionalmente apaixonado e menosprezado.
Algumas rendiam-se, outras diziam que o faziam. Perdiam-se num amanhã, como sempre, dia após dia. Não há futuro nas palavras quanto mais nas sensações: é tudo pior quando se finge.
Quando acordava sonhava ser outra a realidade atrás de cada toque. Cada vazio era uma princesa à espera de ser conhecida; cada deserto um poema à espera de ser escrito e foi esse o destino de algumas: memórias de poesia até gastar o ultimo verso desconexo que as palavras me facultassem.
-Isto tem que acabar –
Estava cansado de abraços de vinganças e vitórias, resquícios e derrotas e varias maleitas de espírito pelo pedi sempre que não se sentissem usadas:
- É uma questão de verdade –
Não que fosse eu o justo o belo ou o bom; justiceiro de almas livres mas a verdade é que toda a gente se concretiza de insensatez e reserva a sua dose de injustiça sendo que, se tivesse que ser, preferia gastar a minha assim.
Existe mesmo o sonho dentro do sonho e é no dormir que cabe a realidade.
Ainda hoje não sei quem elas são sem ser pelos nomes com que se apresentaram. Algumas de nome belo e só isso. Só que o problema de sonhar acordado é ter que por vezes dormir sonhando-as perfeitas como sorrisos; fingi-las completas; desfigurar os sabores sentidos; saber quem elas são, sem ser pelo nome, para depois acordar de desilusão e de espírito amargo para fazer fechaduras de coração.

2 comments:

Daniel Paiva said...

rimbaudzinho de merda. depois passo por cá para dissertar melhor osbre isto. a

b

ra

ç



o

Unknown said...

Antes de mais é premente colocar uma questão: casas comigo? please? pretty pretty please with ice cream toppings?

Posta de parte a falta de inteligência demonstrada supra, vamos ao que interessa.

A droga é um excelente condutor artístico e começas por fazer alusão a ela [entre outros, mas de todos a droga é o que fará mais efeito]. Mas, só assim te espera um mundo de conquistas? Bem, perguntas retóricas à parte o facto de falares nessas substâncias faz-me pensar se só assim pode o sonho ser dentro do sonho. O que quero dizer é que de facto a tua realidade foi alterada e o sonho deixou de o ser [ou a realidade passou debaixo dos lençóis]. Se bem que por vezes a própria realidade parece um sonho, sem ser preciso tomar o que quer que seja. Isto foi apenas para fazer o ponto da situação, na verdade nem sei muito bem o que acabei de escrever... isto não fez lá grande sentido.

Prosseguindo. No geral e a nível de escrita penso que não tenho de dizer nada, tu sabes o que vales e sabes que não é pouco. No entanto existe uma passagem que me chamou particularmente à atenção: "Tristeza e o Pranto resolveram juntar (...) logo depois da Lua se ter rendido ao calor da Noite". Isto está algo de extraordinário. A tua descrição de sentimentos é soberba e a ligação entre eles está descrita de forma fenomenal.

O diálogo extrapola a mera ficção da escrita e é perfeitamente enquadrável na realidade [talvez por isso seja mesmo que "é no dormir que cabe a realidade"]. No fundo, todo o texto fala de uma realidade que acontece em sonhos [ou de um sonho que realmente acontece] e que por isso o "sonho dentro do sonho" seja a realidade per se.

Não se isto fez algum sentido... temo que não.

Seja como for, e em jeito de conclusão, acho que estás a atingir um nível de consciência e de qualidade que são invejáveis. E por isso os meus parabéns.