Sunday, November 29, 2009

Ficções da Razão Fútil

3 minutos de para sempre

foram como se houvesse nevoeiro dentro da vida,

a entrar-me nos ossos

a cegar-me para o que não existe


ilha dos amores

foram Shinigamis chamados inveja


sossega coração

em meus momentos escuros

em nuvens que errei

em todas as coisas sem história


não consigo, não sozinho

quem te disse ao ouvido esse segredo?


céus sem estrelas

poluídos de olhares sem coragem

não foram fracos os silêncios
de estórias que nunca foram

Monday, November 9, 2009

Alma

Ela continuava. Mexia-se agora estática até que algum lugar a abrasasse a si.
Era ela um pouco eu.
Esboçava na cara, o sorriso que não sabia dar sem ser por que motivo fosse e desaparecia no caminho traçado por ela.
Enquanto o silêncio calou as nossas bocas pensámos milhões de coisas, várias vezes e repetidamente mas o sussurro apalavrado a cada respiração reticente só me fazia concluir que só queria fazer poesia com ela.
Então ela repetiu o que já tinha dito e eu ouvi calado, como da outra vez. Já faltavam duas horas para a meia-noite e apenas quatro para ser tarde demais e eu já só pensava em acabar o que ainda não tinha sido começado pela insensatez do coração.
- Eu sou assim – tocou-me novamente.
E era. E eu senti.
Pensei não a conhecer muito mais depois de quase tê-lo feito algumas vezes. Faria o que tinha a fazer e comprometer-me-ia a fazê-lo as vezes que fossem necessárias até ela se decepcionar em doses suficientes, isto porque ela queria alguém que a fizesse acreditar, como eu acreditava, sem querer convencer ninguém.
- Tudo o dizes é fumo – mandou-me à cara. Deixei-lhe acreditar sabendo que nem isso ela pensava ser verdade. Então, quando já não me apetecia ser como era, confessei finalmente:
- Quando não me apetece é quando sabe melhor.
- O quê?
- Voar – levar-me e elevar: era essa a minha premissa.
Começámos a partir daí uma odisseia de olhares mudos.
Porque como vento tardio só me sentia aparecer quando o Sol se cansava e a Lua, que era dela como tudo sem ser o que fosse, se encostava no conforto do escuro do céu inspirando o espírito a ser o que é, para morrer outra vez o Sol que sempre nasce
De madrugada, quando o orvalho se tocava nas folhas libertinas sentava-me para ver tudo no pensamento enquanto a sombra do dia ilustrava o mundo dela em cinzento na pálida certeza de ser o que queria. Perguntei-me, nesse para sempre que levava uns segundos de minutos infinitos, se juntos apenas conseguíramos chover abruptas e secas lágrimas na tempestade da paixão. No céu intermitente seriam relâmpagos fugazes e descompassados de vida em fúria de existirem que iriam iluminar, na sua própria efemeridade, tudo que estaria para vir. Eu, hirto de ardor ficava apenas a ver o dia entardecer-se e enquanto mais uma vez abusámos do silêncio para esconder os nossos propósitos a Alma de Nuvem levantou-se da cadeira de todos os dias, como sempre diferente, e seguiu a olhar para mim carregada nos seus olhos escuros tentando arrancar as palavras que eu não sabia dizer. Não tive medo nem nada, calei-me corajoso de medo de modo a não ter que dizer nada e ficar à espera que as acções dissessem aquilo que pudessem. Assim, fiquei a vê-la, como ela me via a mim, mas de maneira diferente com o silêncio de quem fica com algo por dizer, o tal que eu só sabia fazer. E logo nessa altura em que eu fazia do emudecimento as minhas palavras e das palavras o silencio que esperava por ser entendido ela desaparecia até aparecer novamente no crepúsculo da sensação.
Eu via-a. Ela via-me e mais. Eu via! Ela vinha e dizia entre brisas e trovões o que queria, quando queria:
- Serás capaz?
E eu aceitei relutante pelo que encontrámo-nos sobre a outra forma do Sol e dissemos tanta coisa que quase parecia óbvio que tinha sido tudo liberto ora pelos pulmões ou o cérebro. Aparentemente só faltava o coração, mas esse momento só libertou o medo das palavras apaixonadas de tal forma que quando reparamos já outras formas de silêncio, metamorfoseados a conversas intemporais e despropositadamente obsoletas, tornaram os diálogos em tudo o que faltava por dizer.
Mas fizemo-lo outra vez quando pela mão dela conheci o outro lado do rio de medo e conheci-a mais pelas palavras enquanto reconhecia a particularidade da beleza dela, a beleza desconhecida do local e a menosprezada Beleza, a da verdade. Foi a ponte de luzes, ali mesmo.
Tornaram-se recorrentes os encontros inauditos à medida que partilhávamos entre silêncios e olhares brisas contra o tempo.
Tanto que numa das noites que as nossas almas se acharam rendemo-nos na praia. A lua tinha sido apagada por algum deus de tal forma que só se via o brilho dos olhos escuros, os tais. Aí convergimos e senti a pele dela tão doce que divaguei em pensamentos normalmente reservados à solidão: sonhei. Enquanto sonhava, acordava e sentia submeti-me à velocidade louca de emular aquela sensação a todos os momentos possíveis. Imaginava as noites submissas de paixão em que esta se manifestava maior que o meu leve raciocínio para ganhar o vício de me trancar na casa de banho dando duas voltas enferrujadas com a chave na fechadura resiliente. Depois pegar no champoo de todos os dias e de seguida abrir a água numa torrente procurando vê-la enaltecer com o champoo elevando-se a espuma cristalina, quase do mesmo material de que eram feitos os sonhos e mais uma vez tocá-la como pudesse.
O céu ia envolvendo-a até comunicar-lhe a sensação do azul, acariciando-a como veludo, deixando-lhe o odor e a delícia da noite encontrarem-se no parque recôndito vazio de estrelas.
Cheirava a mel, sabia a chuva de vento, quando abracei-a como esperado. Olhei-lhe sem misericórdia para constatar o que eu já sabia e ver como já sentia sem tocar como devia. Perscrutei-lhe a alma à espera de mais um de todos os sinais que já havia dado: faltava a lua, a dela. Senti a respiração da Alma de Nuvem enquanto o escarlate do vermelho pintava de encarnado os lábios como duas cerejas. Nesse caso desisti de desistir e mexi-me até me encontrar entrelaçado com ela: já só faltava o corpo e o espírito, nem todo dele.
- Porque é tão difícil?
Já não disse nada só para explicar que a alma que fala sem palavras beija também. Entretanto as mãos da princesa na torre passaram-me o espírito até ao corpo e do corpo até às minhas até ser eu a tocar nas dela. Quando as mãos se enredaram aconteceu. Tocou lábio em lábio, língua com língua, corpo na alma e alma com corpo ao mesmo tempo: beijámo-nos sem trovoada. Naquela noite sem quarto não foi só a Lua que se encontrava crescente.
-Que horror – choveu ela sem se queixar.
Fiquei imóvel cá dentro ignorante a sonhar dormindo adormecendo os punhais de coração para apenas poder olhar e perder tudo nos seus olhos encontrados na falésia de brilho, precipitar-me no despique de paixão e estender-me na praia do coração: gostar. E olhava para os olhos de trovoada, límpido de nuvens, negro como o anoitecer do frio muitas vezes escaldantes e perpétuos como o Outono do longe fogo de amor.
E, embora não estivesse lá, senti o aroma da framboesa a tocar-nos em lábios quentes enquanto nos trocávamos tímidos como olhares procurando mais significados que estavam tão patentes nos toques que desprezámos um para o outro.
Foi um beijo histérico e cálido, do calor que não havia em Julho e se dissipava em Setembro com os espíritos que caíam com as folhas de Outono coradas pelas tolices de Verão, tantas vezes levadas por mim em tardes amenas de lusco-fusco. Assim, quando crescesse e degelasse, talvez renomeasse o coração segundo o calendário para viver feliz para sempre, o tempo que fosse, um momento de cada vez enquanto o Sol chorante, perante as horas sozinhas que contavam angustiadas os minutos da minha sentença, se troca pelo crescente do quarto da lua.