Ela continuava. Mexia-se agora estática até que algum lugar a abrasasse a si.
Era ela um pouco eu.
Esboçava na cara, o sorriso que não sabia dar sem ser por que motivo fosse e desaparecia no caminho traçado por ela.
Enquanto o silêncio calou as nossas bocas pensámos milhões de coisas, várias vezes e repetidamente mas o sussurro apalavrado a cada respiração reticente só me fazia concluir que só queria fazer poesia com ela.
Então ela repetiu o que já tinha dito e eu ouvi calado, como da outra vez. Já faltavam duas horas para a meia-noite e apenas quatro para ser tarde demais e eu já só pensava em acabar o que ainda não tinha sido começado pela insensatez do coração.
- Eu sou assim – tocou-me novamente.
E era. E eu senti.
Pensei não a conhecer muito mais depois de quase tê-lo feito algumas vezes. Faria o que tinha a fazer e comprometer-me-ia a fazê-lo as vezes que fossem necessárias até ela se decepcionar em doses suficientes, isto porque ela queria alguém que a fizesse acreditar, como eu acreditava, sem querer convencer ninguém.
- Tudo o dizes é fumo – mandou-me à cara. Deixei-lhe acreditar sabendo que nem isso ela pensava ser verdade. Então, quando já não me apetecia ser como era, confessei finalmente:
- Quando não me apetece é quando sabe melhor.
- O quê?
- Voar – levar-me e elevar: era essa a minha premissa.
Começámos a partir daí uma odisseia de olhares mudos.
Porque como vento tardio só me sentia aparecer quando o Sol se cansava e a Lua, que era dela como tudo sem ser o que fosse, se encostava no conforto do escuro do céu inspirando o espírito a ser o que é, para morrer outra vez o Sol que sempre nasce
De madrugada, quando o orvalho se tocava nas folhas libertinas sentava-me para ver tudo no pensamento enquanto a sombra do dia ilustrava o mundo dela em cinzento na pálida certeza de ser o que queria. Perguntei-me, nesse para sempre que levava uns segundos de minutos infinitos, se juntos apenas conseguíramos chover abruptas e secas lágrimas na tempestade da paixão. No céu intermitente seriam relâmpagos fugazes e descompassados de vida em fúria de existirem que iriam iluminar, na sua própria efemeridade, tudo que estaria para vir. Eu, hirto de ardor ficava apenas a ver o dia entardecer-se e enquanto mais uma vez abusámos do silêncio para esconder os nossos propósitos a Alma de Nuvem levantou-se da cadeira de todos os dias, como sempre diferente, e seguiu a olhar para mim carregada nos seus olhos escuros tentando arrancar as palavras que eu não sabia dizer. Não tive medo nem nada, calei-me corajoso de medo de modo a não ter que dizer nada e ficar à espera que as acções dissessem aquilo que pudessem. Assim, fiquei a vê-la, como ela me via a mim, mas de maneira diferente com o silêncio de quem fica com algo por dizer, o tal que eu só sabia fazer. E logo nessa altura em que eu fazia do emudecimento as minhas palavras e das palavras o silencio que esperava por ser entendido ela desaparecia até aparecer novamente no crepúsculo da sensação.
Eu via-a. Ela via-me e mais. Eu via! Ela vinha e dizia entre brisas e trovões o que queria, quando queria:
- Serás capaz?
E eu aceitei relutante pelo que encontrámo-nos sobre a outra forma do Sol e dissemos tanta coisa que quase parecia óbvio que tinha sido tudo liberto ora pelos pulmões ou o cérebro. Aparentemente só faltava o coração, mas esse momento só libertou o medo das palavras apaixonadas de tal forma que quando reparamos já outras formas de silêncio, metamorfoseados a conversas intemporais e despropositadamente obsoletas, tornaram os diálogos em tudo o que faltava por dizer.
Mas fizemo-lo outra vez quando pela mão dela conheci o outro lado do rio de medo e conheci-a mais pelas palavras enquanto reconhecia a particularidade da beleza dela, a beleza desconhecida do local e a menosprezada Beleza, a da verdade. Foi a ponte de luzes, ali mesmo.
Tornaram-se recorrentes os encontros inauditos à medida que partilhávamos entre silêncios e olhares brisas contra o tempo.
Tanto que numa das noites que as nossas almas se acharam rendemo-nos na praia. A lua tinha sido apagada por algum deus de tal forma que só se via o brilho dos olhos escuros, os tais. Aí convergimos e senti a pele dela tão doce que divaguei em pensamentos normalmente reservados à solidão: sonhei. Enquanto sonhava, acordava e sentia submeti-me à velocidade louca de emular aquela sensação a todos os momentos possíveis. Imaginava as noites submissas de paixão em que esta se manifestava maior que o meu leve raciocínio para ganhar o vício de me trancar na casa de banho dando duas voltas enferrujadas com a chave na fechadura resiliente. Depois pegar no champoo de todos os dias e de seguida abrir a água numa torrente procurando vê-la enaltecer com o champoo elevando-se a espuma cristalina, quase do mesmo material de que eram feitos os sonhos e mais uma vez tocá-la como pudesse.
O céu ia envolvendo-a até comunicar-lhe a sensação do azul, acariciando-a como veludo, deixando-lhe o odor e a delícia da noite encontrarem-se no parque recôndito vazio de estrelas.
Cheirava a mel, sabia a chuva de vento, quando abracei-a como esperado. Olhei-lhe sem misericórdia para constatar o que eu já sabia e ver como já sentia sem tocar como devia. Perscrutei-lhe a alma à espera de mais um de todos os sinais que já havia dado: faltava a lua, a dela. Senti a respiração da Alma de Nuvem enquanto o escarlate do vermelho pintava de encarnado os lábios como duas cerejas. Nesse caso desisti de desistir e mexi-me até me encontrar entrelaçado com ela: já só faltava o corpo e o espírito, nem todo dele.
- Porque é tão difícil?
Já não disse nada só para explicar que a alma que fala sem palavras beija também. Entretanto as mãos da princesa na torre passaram-me o espírito até ao corpo e do corpo até às minhas até ser eu a tocar nas dela. Quando as mãos se enredaram aconteceu. Tocou lábio em lábio, língua com língua, corpo na alma e alma com corpo ao mesmo tempo: beijámo-nos sem trovoada. Naquela noite sem quarto não foi só a Lua que se encontrava crescente.
-Que horror – choveu ela sem se queixar.
Fiquei imóvel cá dentro ignorante a sonhar dormindo adormecendo os punhais de coração para apenas poder olhar e perder tudo nos seus olhos encontrados na falésia de brilho, precipitar-me no despique de paixão e estender-me na praia do coração: gostar. E olhava para os olhos de trovoada, límpido de nuvens, negro como o anoitecer do frio muitas vezes escaldantes e perpétuos como o Outono do longe fogo de amor.
E, embora não estivesse lá, senti o aroma da framboesa a tocar-nos em lábios quentes enquanto nos trocávamos tímidos como olhares procurando mais significados que estavam tão patentes nos toques que desprezámos um para o outro.
Foi um beijo histérico e cálido, do calor que não havia em Julho e se dissipava em Setembro com os espíritos que caíam com as folhas de Outono coradas pelas tolices de Verão, tantas vezes levadas por mim em tardes amenas de lusco-fusco. Assim, quando crescesse e degelasse, talvez renomeasse o coração segundo o calendário para viver feliz para sempre, o tempo que fosse, um momento de cada vez enquanto o Sol chorante, perante as horas sozinhas que contavam angustiadas os minutos da minha sentença, se troca pelo crescente do quarto da lua.
Era ela um pouco eu.
Esboçava na cara, o sorriso que não sabia dar sem ser por que motivo fosse e desaparecia no caminho traçado por ela.
Enquanto o silêncio calou as nossas bocas pensámos milhões de coisas, várias vezes e repetidamente mas o sussurro apalavrado a cada respiração reticente só me fazia concluir que só queria fazer poesia com ela.
Então ela repetiu o que já tinha dito e eu ouvi calado, como da outra vez. Já faltavam duas horas para a meia-noite e apenas quatro para ser tarde demais e eu já só pensava em acabar o que ainda não tinha sido começado pela insensatez do coração.
- Eu sou assim – tocou-me novamente.
E era. E eu senti.
Pensei não a conhecer muito mais depois de quase tê-lo feito algumas vezes. Faria o que tinha a fazer e comprometer-me-ia a fazê-lo as vezes que fossem necessárias até ela se decepcionar em doses suficientes, isto porque ela queria alguém que a fizesse acreditar, como eu acreditava, sem querer convencer ninguém.
- Tudo o dizes é fumo – mandou-me à cara. Deixei-lhe acreditar sabendo que nem isso ela pensava ser verdade. Então, quando já não me apetecia ser como era, confessei finalmente:
- Quando não me apetece é quando sabe melhor.
- O quê?
- Voar – levar-me e elevar: era essa a minha premissa.
Começámos a partir daí uma odisseia de olhares mudos.
Porque como vento tardio só me sentia aparecer quando o Sol se cansava e a Lua, que era dela como tudo sem ser o que fosse, se encostava no conforto do escuro do céu inspirando o espírito a ser o que é, para morrer outra vez o Sol que sempre nasce
De madrugada, quando o orvalho se tocava nas folhas libertinas sentava-me para ver tudo no pensamento enquanto a sombra do dia ilustrava o mundo dela em cinzento na pálida certeza de ser o que queria. Perguntei-me, nesse para sempre que levava uns segundos de minutos infinitos, se juntos apenas conseguíramos chover abruptas e secas lágrimas na tempestade da paixão. No céu intermitente seriam relâmpagos fugazes e descompassados de vida em fúria de existirem que iriam iluminar, na sua própria efemeridade, tudo que estaria para vir. Eu, hirto de ardor ficava apenas a ver o dia entardecer-se e enquanto mais uma vez abusámos do silêncio para esconder os nossos propósitos a Alma de Nuvem levantou-se da cadeira de todos os dias, como sempre diferente, e seguiu a olhar para mim carregada nos seus olhos escuros tentando arrancar as palavras que eu não sabia dizer. Não tive medo nem nada, calei-me corajoso de medo de modo a não ter que dizer nada e ficar à espera que as acções dissessem aquilo que pudessem. Assim, fiquei a vê-la, como ela me via a mim, mas de maneira diferente com o silêncio de quem fica com algo por dizer, o tal que eu só sabia fazer. E logo nessa altura em que eu fazia do emudecimento as minhas palavras e das palavras o silencio que esperava por ser entendido ela desaparecia até aparecer novamente no crepúsculo da sensação.
Eu via-a. Ela via-me e mais. Eu via! Ela vinha e dizia entre brisas e trovões o que queria, quando queria:
- Serás capaz?
E eu aceitei relutante pelo que encontrámo-nos sobre a outra forma do Sol e dissemos tanta coisa que quase parecia óbvio que tinha sido tudo liberto ora pelos pulmões ou o cérebro. Aparentemente só faltava o coração, mas esse momento só libertou o medo das palavras apaixonadas de tal forma que quando reparamos já outras formas de silêncio, metamorfoseados a conversas intemporais e despropositadamente obsoletas, tornaram os diálogos em tudo o que faltava por dizer.
Mas fizemo-lo outra vez quando pela mão dela conheci o outro lado do rio de medo e conheci-a mais pelas palavras enquanto reconhecia a particularidade da beleza dela, a beleza desconhecida do local e a menosprezada Beleza, a da verdade. Foi a ponte de luzes, ali mesmo.
Tornaram-se recorrentes os encontros inauditos à medida que partilhávamos entre silêncios e olhares brisas contra o tempo.
Tanto que numa das noites que as nossas almas se acharam rendemo-nos na praia. A lua tinha sido apagada por algum deus de tal forma que só se via o brilho dos olhos escuros, os tais. Aí convergimos e senti a pele dela tão doce que divaguei em pensamentos normalmente reservados à solidão: sonhei. Enquanto sonhava, acordava e sentia submeti-me à velocidade louca de emular aquela sensação a todos os momentos possíveis. Imaginava as noites submissas de paixão em que esta se manifestava maior que o meu leve raciocínio para ganhar o vício de me trancar na casa de banho dando duas voltas enferrujadas com a chave na fechadura resiliente. Depois pegar no champoo de todos os dias e de seguida abrir a água numa torrente procurando vê-la enaltecer com o champoo elevando-se a espuma cristalina, quase do mesmo material de que eram feitos os sonhos e mais uma vez tocá-la como pudesse.
O céu ia envolvendo-a até comunicar-lhe a sensação do azul, acariciando-a como veludo, deixando-lhe o odor e a delícia da noite encontrarem-se no parque recôndito vazio de estrelas.
Cheirava a mel, sabia a chuva de vento, quando abracei-a como esperado. Olhei-lhe sem misericórdia para constatar o que eu já sabia e ver como já sentia sem tocar como devia. Perscrutei-lhe a alma à espera de mais um de todos os sinais que já havia dado: faltava a lua, a dela. Senti a respiração da Alma de Nuvem enquanto o escarlate do vermelho pintava de encarnado os lábios como duas cerejas. Nesse caso desisti de desistir e mexi-me até me encontrar entrelaçado com ela: já só faltava o corpo e o espírito, nem todo dele.
- Porque é tão difícil?
Já não disse nada só para explicar que a alma que fala sem palavras beija também. Entretanto as mãos da princesa na torre passaram-me o espírito até ao corpo e do corpo até às minhas até ser eu a tocar nas dela. Quando as mãos se enredaram aconteceu. Tocou lábio em lábio, língua com língua, corpo na alma e alma com corpo ao mesmo tempo: beijámo-nos sem trovoada. Naquela noite sem quarto não foi só a Lua que se encontrava crescente.
-Que horror – choveu ela sem se queixar.
Fiquei imóvel cá dentro ignorante a sonhar dormindo adormecendo os punhais de coração para apenas poder olhar e perder tudo nos seus olhos encontrados na falésia de brilho, precipitar-me no despique de paixão e estender-me na praia do coração: gostar. E olhava para os olhos de trovoada, límpido de nuvens, negro como o anoitecer do frio muitas vezes escaldantes e perpétuos como o Outono do longe fogo de amor.
E, embora não estivesse lá, senti o aroma da framboesa a tocar-nos em lábios quentes enquanto nos trocávamos tímidos como olhares procurando mais significados que estavam tão patentes nos toques que desprezámos um para o outro.
Foi um beijo histérico e cálido, do calor que não havia em Julho e se dissipava em Setembro com os espíritos que caíam com as folhas de Outono coradas pelas tolices de Verão, tantas vezes levadas por mim em tardes amenas de lusco-fusco. Assim, quando crescesse e degelasse, talvez renomeasse o coração segundo o calendário para viver feliz para sempre, o tempo que fosse, um momento de cada vez enquanto o Sol chorante, perante as horas sozinhas que contavam angustiadas os minutos da minha sentença, se troca pelo crescente do quarto da lua.
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